Huberto Rohden e o advogado místico

por Wagner Gonçalves

Alguns encontros são fundamentais à vida das pessoas. Foi o que aconteceu com Rômulo Gonçalves, quando assistiu à palestra de Huberto Rohden em São Paulo, nos idos de 1956, e o convidou para ir a Goiânia, no Estado de Goiás. Rohden aquiesceu ao convite, só dizendo que precisaria de passagens e local para se hospedar. Rômulo ofereceu a própria casa e, quanto às passagens, ele e outras pessoas, quase todas espíritas, arcariam com os custos. Durante anos, Rohden fez a viagem de São Paulo para Goiânia, que era, na época, considerada uma capital longínqua, distante de tudo – muitas vezes de ônibus.

Huberto Rohden, nascido em Santa Catarina, já era autor de várias obras filosófico-espirituais, falava várias línguas, traduzira, com extrema sensibilidade, obras da importância de Baghavad Gita1 e Tao Te King.2 Teve influência marcante em milhares de pessoas aqui e no exterior. Formou-se em Ciência e Filosofia por universidade da Europa, foi agraciado por uma bolsa de estudos pela Universidade de Princeton (New Jersey), onde conviveu com Einstein. Lecionou filosofia durante cinco anos em Universidade de Washington, EEUU. E esteve sempre voltado para uma visão cósmica de absoluta universalidade.3

O encontro com Rodhen teve influência visceral na vida de Rômulo e de toda a família. Primeiro, vendo 6 filhos pequenos, entre as idades de 01 a 17 anos, aconselhou-o a comprar um sítio, “onde as crianças pudessem ter contato com a natureza, animais, plantas e pássaros; pudessem trabalhar com as mãos, ter contato com a terra, perceber seus ciclos, a beleza das chuvas e tempestades, e, além disso, seria um recanto de meditação e encontro de pessoas de boa vontade.” Em 1957, Rômulo comprou uma chácara perto de Goiânia e a denominou “Recanto de Paz”.

Em registros feitos na carta enviada a Rohden1, após suas primeiras palestras em Goiânia, Rômulo dá a dimensão do benfazejo chamado espiritual, que, dali em diante, passaria mais ainda a influenciar sua vida:

“O Sr. nos abriu um mundo novo, creia. Se bem que, por intuição, já possuísse alguns apagados traços dessa mística extraordinária, sua presença entre nós veio aclarar nossos horizontes. O Sr. pode ter a certeza de que, pelos menos, dois discípulos aqui deixou: D. Antonieta, e este servo que ora lhe escreve.

Passei os dias ao seu lado sem dar conta do tempo ou dos trabalhos que teria, normalmente, desempenhado. Foram grandes dias da minha vida, e desejo imensamente continuar a receber de sua pena brilhante esclarecimentos necessários para que continue a jornada.

Quando o avião partiu – creia-me, meu querido amigo – senti um misto de alegria e de tristeza. Alegria, por ter conhecido um mundo novo a seu lado; de tristeza, por vê-lo partir. As lágrimas se me represaram nos olhos e um encantamento novo, uma nova ânsia de progresso espiritual, uma leveza que se não podem explicar, pareciam invadir-me o ser. Rebusquei, em meu jardim, as plantas que foram ali colocadas por sua mão. Em tudo, parecia encontrar algo do Mestre. Perdoe-me as divagações, que mais se assemelham a sentimentalismo que, talvez, sejam balofos e filhos da inexperiência.”

A partir do encontro com Rohden e da compra da chácara, Rômulo passou a meditar diariamente, e, nos finais de semana, entregava-se ao trabalho braçal, como dizia. Tal prática, com o tempo, passou a influenciar toda a família. Sua esposa, Maria Luiza, e filhos, de uma maneira ou de outra, passaram a trabalhar a terra (os menores eram obrigados a aguar as plantas) e, pelo exemplo, cada um foi encontrando seu caminho (ou “nele se perdendo”) seja pela meditação, pela música, leituras espirituais e/ou filosóficas, preocupação com a alimentação (Rômulo deixou de comer carne aos 32 anos), jejuns e, às vezes, rebeldia próprias da juventude. Rômulo, quando das dificuldades, sabia escutar a cada um, tentava compreender e chamar à responsabilidade sem ficar vigiando ou exigindo. Sua lição maior era sua ética e exemplo de vida. A chácara se tornou, quando os filhos entraram na adolescência, um local de encontros, debates, discussão sobre os mais diversos assuntos, procura espiritual, recanto de liberdade, natureza, meditação, silêncios e amores, e, algumas vezes, oásis para os perdidos em si mesmo – ou fora de si!

São ainda palavras de Rômulo, em 1958:

“Também adquiri um sítio aqui, para que melhor possa entrar em contato com a natureza. O Sr. me fez compreender que temos necessidade de trabalho braçal nos campos. É o que faço agora. Tenho obtido ótimos resultados. Faço de tudo. Trabalho duro e sinto-me feliz. Para mim é um verdadeira felicidade ir para o sítio, aos sábados. Até nisto a sua influência foi enorme em mim. Quero fazer daquele logradouro um Sangrai-lá espiritual. E Deus me há de proporcionar a sua graça.”

Anotou, Rohden, sobre essa carta:

“Com estas palavras focaliza o advogado místico um ponto de capital importância para o aspirante à vida espiritual: o contato com a natureza e a necessidade do trabalho físico. Tostói, Gandhi, Schweitzer e outros iluminados eram grandes amigos de trabalhos pesados no campo. A maior parte dos nossos pretensos candidatos à espiritualidade aproveita o fim de semana e os feriados para demandarem às praias, onde prosseguem na sua vida profana e na sua cômoda indolência…”

Huberto Rohden faleceu em São Paulo, em 7 de outubro de 1981, com 87 anos. Rômulo o visitou no hospital no dia anterior e contava que Rohden não aceitara a amputação da perna afetada pelo câncer, que lhe daria mais alguns anos. Disse: “Chegou minha hora!”

Ficou a mensagem de sua obra que é “tornar o homem consciente de sua condição de um ser inteligente, espiritual e integral em rumo de sua evolução. Sua filosofia tem um viés de uma reforma interior em que o ser para encontrar sua paz e felicidade necessita conscientizar de seu eu-crístico ou eu-cósmico, teses geradas pela filosofia univérsica, a qual dirigiu por muitos anos.”


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